O poço e o mel: A busca de Tolstói pelo sentido na beira do abismo
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Por que estou aqui? Qual é o meu propósito? Por que me importar com qualquer coisa se tudo vai acabar? Essas não são perguntas de um adolescente angustiado, mas o tormento existencial que consumiu Leon Tolstói, um dos maiores escritores de todos os tempos, no auge de sua vida. Aos 50 anos, o homem que tinha tudo – fama imortal por obras como “Guerra e Paz” e “Anna Kariênina”, riqueza, uma família amorosa e saúde – se viu paralisado por um vazio que ameaçava engolir toda a sua existência. Sua jornada para sair desse abismo não é apenas uma história biográfica, mas um mapa das crises de significado que ainda nos assombram.
Tolstói era, desde jovem, um cético. A perda precoce dos pais e a desilusão com a religião institucionalizada o afastaram de qualquer fé simplista. Por décadas, ele viveu uma vida epicurista, aproveitando os prazeres do mundo e da carne. No entanto, o sucesso e os prazeres se revelaram uma fundação frágil. Quando a crise chegou, foi avassaladora. Em seu ensaio autobiográfico “Uma Confissão”, ele descreve um desespero tão profundo que o sono era seu único refúgio e o suicídio, uma tentação constante. Ele se via como um “bebê emocional”, preso em um loop de “porquês” sem resposta, certo de que havia algo de podre em sua própria alma.
Em sua busca por uma saída, Tolstói mapeou, com a precisão de um novelista, as quatro formas como as pessoas tentam escapar do dilema existencial:
- A Ignorância Deliberada (Absurdismo): Simplesmente ignorar a absurdez da vida, não pensar sobre ela. “A vida é absurda, e daí? Viva-a”. Tolstói viu isso como uma solução temporária e frágil, pois uma mente inquisitiva não pode silenciar suas perguntas para sempre.
- O Açúcar do Prazer (Epicurismo): Afogar o vazio em uma vida de prazeres, posses e distrações – os “gotas de mel” que adocicam momentaneamente a queda. Para ele, essa era uma fuga ilusória, um ciclo vicioso de satisfação efêmera que nunca aborda a questão fundamental.
- A Saída Final (Suicídio): Para aqueles que, esmagados pelo absurdo, veem no fim da vida a única forma de acabar com a “piada sem graça”. Tolstói, embora tenha contemplado esse caminho, o rejeitou como uma solução.
- O Limbo Existencial: Talvez o estado mais agonizante: reconhecer a futilidade da vida, mas não ter a coragem para o suicídio nem a energia para buscar ativamente o prazer ou o significado. É uma resignação passiva, um “ficar pendurado no poço”, plenamente consciente do dragão abaixo e da fera acima, mas paralisado.
Tolstói tentou de tudo para escapar desse poço. Mergulhou na filosofia de Sócrates e Buda, mas concluiu que muitas correntes levavam à ideia de que “feliz é aquele que não nasceu”. Buscou na ciência, mas viu no darwinismo um niilismo disfarçado, que reduz a vida a um acidente cósmico sem propósito. Nenhuma dessas vias respondeu à sua pergunta central: “Como viver uma vida feliz e com significado diante do sofrimento e da morte?”
A resposta, paradoxalmente, ele encontrou não nos livros dos sábios, mas na vida dos simples. Ao observar os camponeses de sua propriedade, Tolstói se deparou com algo que lhe faltava: uma fé inabalável. Apesar de uma existência de privações e sofrimento, esses homens e mulheres mantinham uma serenidade e um propósito que ele, com toda a sua riqueza e intelecto, havia perdido. Eles não questionavam a existência de Deus; eles a viviam.
Foi essa percepção que levou Tolstói à sua grande revolução interior. Ele compreendeu que a razão sozinha é insuficiente para dar sentido à vida. Ela pode descrever o mundo, mas não pode nos dizer por que vale a pena vivê-lo. A fé, para ele, não era uma crença cega em dogmas, mas um salto em direção ao infinito. Era a aceitação de que existe um significado transcendental que a lógica finita do homem não pode capturar, mas sem o qual a vida se reduz a um absurdo.
Ele não se tornou um cristão ortodoxo – suas críticas à Igreja permaneceram –, mas abraçou uma fé pessoal e profundamente ética no divino. Essa fé se tornou o fundamento sobre o qual ele reconstruiu sua vida. Renunciou à sua riqueza, adotou um estilo de vida simples e ascético e dedicou seus últimos anos a servir aos outros. A paz que tanto procurara não veio da resposta a um enigma intelectual, mas de uma entrega a um propósito maior do que si mesmo.
O significado da vida, segundo Tolstói, não é um quebra-cabeça a ser resolvido, mas uma relação a ser cultivada. É na conexão com o infinito, com o próximo e com uma vida de virtude, e não na posse de bens ou de certezas racionais, que encontramos o antídoto para o desespero. Sua história é um testemunho poderoso de que, mesmo no fundo do poço, é possível encontrar não apenas gotas de mel passageiras, mas a força para se agarrar à vida, transformá-la e, finalmente, encontrar a paz.


