IA e autoria literária: Os limites da criatividade artificial
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A ascensão de modelos de linguagem como o GPT-3, GPT-4 e outros sistemas de inteligência artificial (IA) tem reacendido debates antigos sobre criatividade, autoria e o papel da máquina na produção artística. Se, por um lado, essas ferramentas são capazes de gerar textos coerentes e até mesmo emocionantes, por outro, questiona-se: uma IA pode realmente ser considerada autora? E até que ponto sua “criatividade” é apenas uma recomposição estatística do que já foi escrito por humanos?
O debate sobre autoria e originalidade
Em 2022, um conto escrito pelo GPT-3, The Last Hope, foi submetido a um concurso literário nos EUA sem que os juízes soubessem de sua origem artificial. O texto passou despercebido, levantando questões sobre a capacidade da IA de imitar a escrita humana de forma convincente. No entanto, quando a verdade veio à tona, surgiram discussões acaloradas.
Argumento a favor da autoria da IA:
Alguns entusiastas, como o pesquisador David Gunkel, autor de Person, Thing, Robot (2023), defendem que, se um texto é original em sua composição (mesmo que derivado de dados pré-existentes), a IA pode ser considerada uma coautora. A criatividade humana também é um processo de colagem e reinterpretação”, argumenta Gunkel.
Contra a autoria da IA:
Já críticos como a escritora Margaret Atwood (O Conto da Aia) afirmam que a IA não tem intenção, consciência ou vivência—elementos essenciais para a verdadeira criação literária. “Ela não sonha, não sofre, não ama. Como pode escrever sobre isso?”, questiona.
Philip K. Dick e a profecia das máquinas criativas
O tema da IA como criadora não é novo. Philip K. Dick, um dos maiores visionários da ficção científica, explorou repetidamente a ideia de máquinas desenvolvendo consciência e arte. Em Do Androids Dream of Electric Sheep? (1968), que inspirou Blade Runner, androides são tão semelhantes aos humanos que questionam o que é real e o que é artificial.
Em VALIS (1981), Dick vai além, apresentando um sistema inteligente que se comunica com humanos através de visões e textos—quase uma prefiguração dos atuais modelos de linguagem. Se Dick estivesse vivo hoje, talvez visse o GPT-3 como um “oráculo eletrônico”, capaz de gerar narrativas, mas incapaz de compreendê-las verdadeiramente.
O futuro: coautoria ou substituição?
Alguns autores já estão experimentando a coautoria com IA. O escritor brasileiro Raphael Montes usou ferramentas de IA para auxiliar na escrita de contos, afirmando que a tecnologia pode ser uma “fonte de inspiração”, mas não substitui o processo criativo humano.
Por outro lado, há quem tema que, no futuro, algoritmos dominem o mercado literário, produzindo livros sob demanda—mais uma commodity do que arte. Será que, como previa Dick, chegaremos a um ponto em que não saberemos distinguir entre o autor humano e a máquina?
Enquanto a discussão continua, uma coisa é certa: a IA desafia nossas definições de criatividade e nos obriga a repensar o que, de fato, torna uma obra literária única.