Resenha do livro Kentukis
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Kentukis, da argentina Samanta Schweblin, é uma obra que mergulha profundamente nas complexidades da relação entre humanos e tecnologia, explorando os limites da privacidade, intimidade e conexão em um mundo cada vez mais mediado por dispositivos digitais. Publicado em 2018, o livro se destaca por sua narrativa fragmentada e por sua capacidade de provocar reflexões incômodas sobre como nos relacionamos com as máquinas e, por extensão, uns com os outros.
A trama gira em torno dos kentukis, pequenos dispositivos robóticos que permitem que estranhos “habitem” temporariamente a casa de alguém, observando e interagindo com o ambiente através de uma tela. Esses dispositivos são uma metáfora poderosa para as redes sociais e a cultura da exposição constante, onde a fronteira entre o público e o privado se dissolve. Schweblin questiona até que ponto estamos dispostos a abrir mão de nossa privacidade em troca de conexão e entretenimento, e como essa dinâmica afeta nossa humanidade.
Um dos aspectos mais impressionantes do livro é a forma como a autora retrata a desumanização progressiva que ocorre quando as relações são mediadas por máquinas.
Os personagens de Kentukis muitas vezes tratam os dispositivos como extensões de si mesmos ou como objetos descartáveis, refletindo uma sociedade que valoriza a conveniência e a novidade em detrimento da profundidade emocional. A autora também explora a ideia de voyeurismo e a fascinação mórbida que temos pela vida alheia, sugerindo que a tecnologia pode amplificar nossos piores instintos.
Schweblin não oferece respostas fáceis, mas convida o leitor a refletir sobre as consequências de nossa dependência tecnológica. A escrita é ágil e envolvente, com uma estrutura narrativa que imita a desconexão e a fragmentação da vida digital. Cada capítulo é uma pequena história que se entrelaça com as outras, criando um mosaico de experiências que refletem a diversidade de reações humanas à invasão da tecnologia em suas vidas.
Em resumo, Kentukis é uma obra provocativa e atual, que desafia o leitor a pensar criticamente sobre o papel da tecnologia em nossas vidas. Samanta Schweblin nos lembra que, embora as máquinas possam nos conectar, também têm o poder de nos isolar, distorcer nossa percepção da realidade e, em última instância, nos transformar. É um livro essencial para quem busca entender os dilemas éticos e emocionais da era digital.