Resenha do livro Um defeito de cor
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Um Defeito de Cor (2006), da escritora mineira Ana Maria Gonçalves, é uma obra monumental que reconstrói, com rigor histórico e densidade literária, a trajetória de Kehinde, uma africana escravizada no Brasil no século XIX. O romance, vencedor do Prêmio Casa de las Américas (2007), mistura ficção e realidade para narrar não apenas a vida da protagonista, mas também a resistência negra e as complexidades da diáspora africana.
Enredo e Contexto
O livro começa com Kehinde já idosa, retornando à África em busca de seu filho perdido. A partir desse ponto, ela reconta sua vida em um relato emocionante: desde sua infância no reino de Daomé (atual Benin), o trauma do sequestro e da travessia do Atlântico no navio negreiro, até sua chegada ao Brasil, onde enfrenta a escravidão em Salvador e posterior alforria. A narrativa acompanha sua luta pela liberdade, sua participação na Revolta dos Malês (1835) e suas andanças por diferentes regiões do país, sempre em busca de autonomia e justiça.
Temas e Impacto
Gonçalves aborda temas como racismo, violência colonial, maternidade, resistência cultural e religiosidade afro-brasileira (especialmente o candomblé). Kehinde é uma personagem complexa: vulnerável, mas também astuta e resiliente, sua história reflete as contradições de um Brasil escravocrata. O título, Um Defeito de Cor, ironiza o eufemismo usado nos anúncios de fuga de escravizados, que descreviam a pele negra como uma “falha”.
A autora mescla pesquisa histórica meticulosa (incluindo figuras reais como Luísa Mahin) com uma prosa envolvente, repleta de elementos da oralidade africana.
O resultado é um romance épico que dá voz a uma narrativa frequentemente apagada: a das mulheres negras que forjaram o Brasil.
Crítica e Legado
Considerado uma das obras mais importantes da literatura afro-brasileira contemporânea, Um Defeito de Cor é comparável a clássicos como Tenda dos Milagres (Jorge Amado) ou Quarto de Despejo (Carolina Maria de Jesus). Sua força está na humanização de personagens históricos invisibilizados e na denúncia de um passado que ainda ecoa no presente.
Pontos fortes:
- Narrativa rica em detalhes históricos e culturais.
- Personagem principal profundamente desenvolvida.
- Linguagem poética e ritmo envolvente.
Possíveis desafios:
- A extensão (o livro tem mais de 900 páginas) pode intimidar alguns leitores.
- Algumas cenas de violência são graficamente descritas.
Veredito: Uma leitura essencial para quem deseja compreender o Brasil através das lentes da resistência negra. ★★★★★
“Não somos descendentes de escravos. Somos descendentes de seres humanos que foram escravizados.” — Ana Maria Gonçalves.
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